Lembro-me do caso SATIAGRAHA, do Delegado da PF Protógenes Queiroz. Quando tudo veio à público, comentávamos sobre a coragem deste policial em enfrentar o poder econômico de poderosos criminosos de colarinho branco. Chegamos até a lembrar, em conversas no trabalho, de outros funcionários públicos que perderam suas vidas no combate ao crime, pela simples razão de serem corretos, etc.
Hoje recebo notícia que lança uma grande nuvem de suspeitas sobre o caso, sobre o delegado, sobre todos os envolvidos. Por um lado, temos repórteres investigativos que trazem à tona notícias de corrupção ativa e passiva, venda de informações, patrocínio suspeito para as ações da PF, etc. Fica a sensação de que não podemos confiar em mais ninguém…
Será que é essa a intenção? Será que existe mesmo uma lama nisso tudo, respingando inclusive sobre a PF, o Delegado e todos os envolvidos que antes eram “do bem”? Ou será que o poder econômico consegue “fazer surgir” provas a fim de gerar o que se chama de “dúvida razoável”, fazendo parecer que são todos “do mal” e que não devemos mesmo confiar em ninguém?
Na verdade, se for esse o caso, o poder econômico tem muito mais “poder” do que poderíamos supor, nós, os que não o detemos. Porque sinceramente, são tantos indícios de corrupção, enriquecimento sem explicações, politicagens, além de uma malha de “contatos suspeitos” entre pessoas com interesses duvidosos, que é realmente difícil de acreditar ser tudo “armação”, a menos que se acredite em tudo o que se vê nos filmes e livros de espionagem.
Transcrevo abaixo três reportagens, uma de ontem, uma de 2010 e uma de 2004, onde podemos ver um panorama de tudo que gerou este sentimento de falta de confiabilidade em todo o caso e no sistema, em geral. Deixo para vocês tirarem suas conclusões.
O que mais dói é ver que pessoas evidentemente culpadas acabam não sendo responsabilizadas não pela ausência de culpa, mas por erros processuais, erros materiais, vícios e ilícitos na investigação, etc. É a inversão do dito popular, pois aqui “um erro justifica o outro”. Lamentável.
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Empresários são investigados por corromper delegado
Prometia ser a apoteose de uma batalha épica e histórica. A vitória cívica do idealismo sobre a patifaria. Um delegado heróico e um juiz corajoso enfrentam o sistema, um tubarão de colarinho branco e derrotam o poder econômico colocando bandidos na cadeia. Mas o que começou como uma das mais belas fábulas contemporâneas, cheia de idealismos, agora desponta para um caso de podridão. A operação satiagraha, que alimentou as ilusões de muita gente, concluiu a Justiça, não passou de uma farsa. Pior: uma farsa comprada.
O ex-delegado Protógenes Queiroz, mesmo protegido por um mandato parlamentar, é alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal por interceptação telefônica ilegal, prevaricação e corrupção passiva. As suspeitas baseiam-se em dados apimentados. Seu patrimônio teria aumentado vinte vezes depois que entrou nessa luta do bem contra o mal. Protógenes e seu ex-chefe, Paulo Lacerda teriam vendido a operação satiagraha a empresários que queriam o naco de Daniel Dantas no mercado nacional de telefonia.
No Inquérito que se encontra no Supremo Tribunal Federal, sob número 3.152, aparece o nome do empresário que teria financiado de maneira oculta a operação: Luís Roberto Demarco de Almeida. Diretor demitido do Opportunity, ele é descrito no inquérito como alguém que fez fortuna especializando-se em prestar serviços para os adversários de Dantas.
Conforme o despacho assinado pelo juiz federal Toru Yamamoto, que encaminhou o Inquérito 3.152 ao STF quando Protógenes tornou-se deputado, Demarco não é o único investigado por corrupção ativa nessa história escabrosa. O empresário Paulo Henrique Amorim, que se apresenta como um paladino do combate ao crime, responde pela mesma acusação de seu parceiro.
Assim como Protógenes, Amorim ostenta um acréscimo de patrimônio incomum para os padrões da sua profissão. Ele é dono, por exemplo, de um imóvel na Quinta Avenida, em Nova York, em frente ao Metropolitan Museum. Segundo o próprio apresentador, a conta certa é de dois apartamentos nova-iorquinos.
Os nomes de Demarco e Paulo Henrique Amorim surgiram no processo com a quebra do sigilo telefônico de Protógenes. Constatada a prática de fraudes no curso da célebre operação, a própria PF decidiu checar a origem do entusiasmo do delegado com a missão. Foi quando se apurou que Protógenes trocara pelo menos 422 telefonemas com a dupla de empresários nos doze meses que antecederam a deflagração da operação.
Ao mesmo tempo, o então delegado passou a receber, em “doação” parte dos sete imóveis dos quais ele declarou ser proprietário à justiça eleitoral. Protógenes declarou também à Justiça eleitoral ter R$ 284 mil guardados em casa e uma conta na Suíça.
A investigação em torno do patrimônio do hoje deputado, contudo, mostra que a declaração tem erros em volume suficiente para justificar a cassação do mandato de Protógenes. Parte do seu patrimônio foi omitido e o valor total dos bens declarados (R$ 834 mil) seria seis vezes maior (R$ 5,04 milhões). Antes de se tornar delegado, o patrimônio de Protógenes, segundo sua declaração, era de R$ 206 mil.
O verdugo de Dantas
Luís Roberto Demarco, conhecido verdugo de Dantas junto à mídia e ao Ministério Público, influiu decisivamente no processo de privatização da telefonia. Ao longo de muitas dezenas de processos judiciais ele aparece dublando jornalistas, deputados, advogados, policiais e no papel de lobista. Em reportagem publicada por este site, em setembro de 2004, apurou-se que foi ele o autor da primeira ação apresentada pelo Ministério Público Federal contra Daniel Dantas e o Opportunity. Mais tarde, soube-se que o empresário fora o patrocinador de uma investigação aberta na Câmara dos Deputados contra seu ex-empregador, assim como outras sindicâncias e inquéritos em outros órgãos, como a Anatel e a Comissão de Valores Mobiliários.
Demarco também conseguiu ser admitido como assistente de acusação do MPF em São Paulo, em processos que ele mesmo alavancou. No trato com a polícia, a proximidade também é notória — ele trocava e-mails com delegados sugerindo ações para a Polícia Federal. Claro: sugerindo a prisão de Dantas.
Demarco diz que sua fortuna deriva de um conglomerado de empresas de informática que, entre outras atividades, ocupam-se da venda de softwares. Mas, pelo menos durante certo período, durante a briga pelas teles, sua receita comprovadamente engordou com dinheiro vindo dos concorrentes de Dantas. A informação provém da justiça italiana, onde ex-dirigentes da Telecom Italia confessaram que milhões de euros foram remetidos a Demarco num projeto para que a operadora assumisse o controle da Brasil Telecom.
Sem rodeios, os italianos disseram em juízo que a dinheirama foi usada no Brasil para corromper policiais, políticos e jornalistas. As explicações, contidas em um processo sobre um milionário esquema de espionagem empresarial da Telecom Itália em vários paises, que corre na Justiça de Milão, serviram para mostrar que os executivos da Telecom Italia não haviam embolsado o dinheiro de acionistas da operadora.
A acusação dos advogados de Dantas é que Demarco e Paulo Henrique Amorim teriam azeitado uma máquina de divulgação destinada a amplificar a má-fama de Daniel Dantas. Como o banqueiro já passara muitos concorrentes para trás, com os métodos mais perversos que o capitalismo possibilita, não seria difícil transformá-lo no ícone do crime de colarinho branco.
O interesse comercial camuflado casou-se com o voluntarismo de pessoas que acreditam ser necessário sair dos trilhos do Direito para encarcerar ricos — pensamento análogo ao de comerciantes que patrocinam a criação de milícias no Rio de Janeiro ou dos mentores dos esquadrões da morte que começaram caçando criminosos e acabaram fazendo todo tipo de serviço sujo. Difícil hoje é distinguir quem atuou na farsa por dinheiro e quem embarcou por idealismo equivocado.
A vida de Dantas parece ter-se resumido a acompanhar processos judiciais. Ninguém sabe ao certo o valor de todos os seus bens que foram bloqueados, no Brasil e em outros países. Dantas perdeu a parceria do Citibank e a Brasil Telecom. Foi algemado e preso. Mas segundo Demarco e Amorim, o banqueiro é o homem mais poderoso do Brasil.
A principal tática utilizada pelos dois acusados, de acordo com o processo que está no STF, é a de constranger jornalistas e juízes que prejudiquem seus interesses. O modus operandi consiste em acusar sistematicamente quem não adere à campanha contra Dantas de trabalhar para ele. Ou seja: notícia ou decisão judicial que não seja contra o banqueiro só pode ser objeto de corrupção. Bem sucedida, a tática afastou a imprensa do assunto e causa dispepsia nos juízes “premiados” com processos que tratam do assunto.
O sucesso dessa novela toda, em parte, é produto do cansaço com a impunidade. Depois de séculos de injustiça social, ver um milionário na cadeia tornou-se um idílio. Mesmo que a investida fosse patrocinada por outros milionários.
O Inquérito no STF está sob os cuidados do ministro Dias Toffoli. A Procuradoria-Geral da República, provavelmente, fará de tudo para preservar os seus representantes em São Paulo, que deram guarida à ficção produzida por Protógenes.
O juiz Fausto de Sanctis, outro ex-herói da satiagraha, depois dos aplausos, experimenta a reprovação. Ao menos para a elite do Direito nacional, é considerado um personagem folclórico. Passou a enfrentar sucessivos julgamentos. Escapou, segundo seus julgadores, porque ser mau juiz não é delito nem falta disciplinar.
É possível que Protógenes, Demarco e Amorim, igualmente, fiquem livres das acusações. Mas dificilmente, doravante, o truque funcionará de novo.
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Brasileiros foram pagos para favorecer Telecom Itália
O processo que corre em Milão sobre as atividades de espionagem da Telecom Italia continua revelando as ramificações brasileiras da trama. A operadora de telefonia italiana é acusada de ter aplicado 120 milhões de euros em atividades ilegais para dominar o mercado nos diferentes países onde atua. Acredita-se que mais de 10% desse total tiveram como destino o Brasil e como finalidade o pagamento de serviços prestados por autoridades, policiais e particulares, além de financiar uma campanha na imprensa favorável aos interesses da empresa e contrária a seus adversários empresariais.
Uma das principais fontes de informação sobre a participação brasileira no imbroglio italiano é Fábio Ghioni, que chefiou o esquema de espionagem pela Internet da Telecom Italia. Em audiência referente ao Processo Penal 9633/08, Ghioni prestou depoimento à juiza Mariolina Panasiti, do Tribunal de Milão, em 26 de fevereiro e outro em 26 de março último, a cuja transcrição a Consultor Jurídico teve acesso (veja foto acima e clique aqui para ler trecho do depoimento, em italiano). Nesse último depoimento, Ghioni descreve a atuação no caso do empresário Luís Roberto Demarco de Almeida, ex-sócio do banqueiro Daniel Dantas.
O nome de Demarco brota das perguntas feitas por um promotor público italiano, quando Fabio Ghioni depôs perante a juíza de instrução Mariolina Panasiti, no último dia 26 de março. Ghioni, é especialista em estratégias e tecnologias não convencionais de segurança e tido como o responsável pelo esquema de interceptações de informação da Telecom Italia, que alcançou autoridades e o principal jornal italiano.
Conhecido como “Sombra Divina”, Ghioni chefiou lo grupo de hackers da Telecom Italia, que ficou conhecido como Tiger Team. É acusado de ter manipulado dados furtados da Kroll Associates, a maior empresa de investigações privadas do mundo, para “vitaminar” informações contra o empresário Daniel Dantas, do Banco Opportunity. Dantas é acusado de contratar a Kroll para espionar as atividades de dirigentes da Telecom Italia, que travava com o Opportunity uma feroz disputa para assumir o controle da Brasil Telecom, empresa em que os dois grupos empresariais eram sócios. O terceiro concorrente eram os fundos de pensão, que se aliaram aos italianos no início e depois os abandonaram. O troféu da disputa seria a Brasil Telecom, que não ficou com nenhum desses contendores.
Em depoimento anterior, prestado no curso do Procedimento Penal 9.633/08, do Tribunal de Milão, Ghioni afirmou que entre as pessoas subornadas pelo esquema de espionagem montado pela Telecom Italia estão policiais federais e políticos brasileiros. Segundo ele, policiais federais receberam propina da empresa para prestar serviços de segurança particular, no Brasil, a espiões italianos, e também para inserir, numa operação da PF, dados para favorecer interesses da Telecom Italia. A investigação cobre um período anterior ao da célebre Satiagraha.
Ghioni explicou como funcionava a empresa italiana sob o comando de Marco Tronchetti Provera, maior acionista individual da Pirelli, controladora da Telecom Italia entre 2001 e 2006. Ele acusa Provera de ter tido total controle das atividades ilícitas de espionagem, sobretudo no Brasil, e de ter gastado milhões de euros nessas práticas heterodoxas, obviamente sem avisar aos acionistas. É nesse ninho que Demarco e seus parceiros, investiga-se, teriam se instalado para ganhar dinheiro.
“Ele não tinha forças econômicas para levar adiante a sua campanha; portanto, a Telecom Italia o apoiava, tanto economicamente, através de não sei exatamente quais meios, porém, imagino, faturas emitidas por ele”, sustentou Ghioni referindo-se a Demarco, no último dia 26 de março. O empresário teria arrecadado dinheiro italiano para repassar, no Brasil, a pessoas dispostas a bombardear Daniel Dantas.
No final do ano passado, a juíza Adriana Freis Leben de Zanetti, da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo, que conduz o processo por espionagem do Opportunity contra a Telecom Italia, decidiu suspender a ação no Brasil até receber da Justiça italiana informações sobre as investigações que lá estão sendo feitas, em cujo bojo Ghioni é réu e testemunha.
Fazem ponta no espetáculo personagens como Marco Bernardini e Angelo Jannone. Bernardini, um ex-agente do serviço secreto italiano, que se tornou detetive particular e prestador de serviços da Telecom Italia. Ele é uma das principais testemunhas no processo contra a empresa. Bernardini tem sustentado aos procuradores de Milão que a operadora “pagava a políticos e também à polícia brasileira”. Angelo Jannone foi chefe de Segurança da Telecom Italia para a América Latina. Ex-carabinieri, teria trazido ao Brasil o CD “vitaminado” com as informações da Kroll, para entregá-lo à Polícia Federal. O seu conteúdo foi validado pela PF como legítimo, mesmo sabendo-se da sua origem.
Ghioni, Giuliano Tavaroli, e Angelo Jannone, ex-executivos da Telecom Italia, foram denunciados pelo Ministério Público de Milão, com outros 31 envolvidos no caso, por violar sistemas de informática e fazer escutas ilegais contra pessoas na Itália e no exterior em nome da Telecom Italia.
As operações
O Tiger Team era um grupo especial do setor de segurança da Telecom Itália. Seu papel era o de pavimentar a expansão da ex-estatal italiana no mundo. As interceptações eletrônicas no Brasil duraram de 2003 a 2005, no contexto da disputa pelo controle acionário da Brasil Telecom entre a Telecom Itália e o Banco Opportunity. As notícias da Itália dão conta de que o grupo conseguiu grampear a imprensa italiana, entrou nos computadores da CIA e da Kroll, de onde sacou a investigação contra ele, acrescentou o material que lhe interessava e entregou à imprensa brasileira como uma prova da desonestidade de Daniel Dantas.
A equipe contava com figuras de proa da espionagem italiana. Angelo Jannone foi tenente-coronel do corpo de carabinieri. Ele trabalhou ao lado do juiz Giovanni Falcone na luta contra a máfia siciliana. E fez-se chefe do setor antifraudes da Telecom Italia para a América Latina. Morou no Brasil em 2004. Marco Bernardini era dono de uma empresa de investigações. Foi contratado na época pelo grupo italiano, mas ao se tornar réu aderiu a um programa de delação premiada e se tornou a principal testemunha do Ministério Público italiano no inquérito sobre a rede de espionagem clandestina e subornos da Telecom Italia no mundo.
Fabio Ghioni era o “hacker de primeira linha” dessa trinca. Nascido em Milão, em 26 de novembro de 1964, prestou declarações pela primeira vez no Palácio da Justiça, em Milão, no dia 15 de novembro de 2007, às 9h35, na presença do procurador da República Nicola Piacente e do sub-oficial carabinieri Vincenzo Morgera.
No Brasil
A Telecom Italia é dona da operadora de telefonia celular TIM. Foi também acionista da Brasil Telecom, em sociedade com o Citibank, os fundos de pensão de estatais (Previ, Petros e Funcef) e o Grupo Opportunity do banqueiro Daniel Dantas. Em 2005, os fundos de pensão, em acordo com o Citibank, conseguiram destituir o Opportunity da administração da Brasil Telecom. Foi então selecionada a consultoria Angra Partners para gerir a BrT.
Em 2004, a PF iniciou a Operação Chacal, que investigou suposta atividade ilegal da Kroll no Brasil, por encomenda de Daniel Dantas. Além do trabalho oficial da PF, a Kroll foi alvo também de uma série de ações de espionagem promovidas pela Telecom Italia. Numa delas, em um hotel no Rio, invadiram o computador de um deles e roubaram vários arquivos, que depois foram selecionados e gravados em um CD que foi editado pela equipe de Ghioni na Itália e depois entregue à PF no Brasil.
Em 6 de novembro de 2007, Giuseppe Ângelo Jannone, o homem que denunciou a Kroll de fazer espionagem no Brasil, foi preso na Itália por fazer espionagem. Junto com Jannone, foram presos Alfredo Melloni e Ernesto Preatoni, dois técnicos de informática que trabalhavam no setor de segurança da matriz da Telecom Itália. Era outro núcleo duro do Tiger Team.
Ofensas pessoais
Veja as referências a Demarco no depoimento de Ghioni. A sigla PM, que consta no inquérito, se refere ao Pubblico Ministero (Ministério Público).
PM — Veja, o senhor no interrogatório de 26 de fevereiro informou: “Após a investigação contra Tavaroli, de maio de 2005, Jannone, em julho do mesmo ano, me disse que suspeitava que Demarco estivesse fornecendo à sociedade brasileira Angra Partners algumas informações reservadas sobre a Telecom”. O senhor indicou esta razão.
Acusado Ghioni — Sim, esta é a razão que eu… digamos que foi dita também a mim… Demarco era uma pessoa que sempre foi hostil a Daniel Dantas, já que havia recebido algumas ofensas pessoais. Na gestão Pré-Tronchetti, e na gestão Tronchetti, praticamente, aproximou-se da Telecom Italia, para ter dinheiro, para poder prosseguir a sua campanha contra Daniel Dantas. Quando isso aconteceu, Angelo Jannone suspeitava que Demarco não agisse completamente de boa-fé e que mantivesse esse tipo de contato com a Angra Partners e que a Angra Partners fosse, em suma, não tão neutra, digamos, como deveria ter sido.
PM — Pode nos dar alguma informação sobre a pessoa de Demarco, ou seja, quem é e como se chama… Antes de colaborar com Telecom no episódio de Daniel Dantas, o que ele fazia?
Ghioni — Bem, vou sempre pela memória, Demarco havia sido sócio de Daniel Dantas, pelo que me lembro. Depois, Daniel Dantas o excluiu da sociedade o que, de acordo com ele, fez com que perdesse muito dinheiro. Nesta altura, Demarco moveu uma ação causa internacional, na Suprema Corte do Reino Unido – concentrada nas Ilhas Cayman, me parece – em relação ao dinheiro que Daniel Dantas havia bloqueado lá, em seu nome. Para poder levar adiante esta causa, ele precisava de dinheiro. E também para poder levar adiante uma campanha midiática negativa, contra Daniel Dantas… Durante a gestão Colaninno – vou sempre pela memória, porque eu não estava durante a gestão Colaninno, portanto, pelo que eu pude saber – ele já iniciara a aproximação com a Telecom Italia. E se aproximou, também, de uma empresa de telecomunicações canadense que sofrera o mesmo tratamento por parte do Opportunity e de Daniel Dantas, da qual agora não lembro o nome [Nota da Redação: Trata-se da TIW, sócia do Opportunity nas operadoras de telefonia Telemig Celular e Tele Norte Celular, à época da privatização no setor de telecomunicações no Brasil]; Depois disso, quando a gestão passou para Tronchetti, dirigiu-se à Telecom Italia, fazendo…digamos, usando a lógica do inimigo comum: “unamos as forças”. Ele não tinha forças econômicas para levar adiante a sua campanha. Portanto a Telecom Italia passou a apoiá-lo economicamente, através de não sei exatamente quais meios, porém imagino, faturas emitidas por ele. Tudo aquilo que ele fazia, para poder se contrapor e dar informações em relação àquilo que faziam Daniel Dantas e a Kroll, ele obviamente dividia isso com a Telecom Italia. Pelo menos, este era o pensamento, na época.
PM — O senhor disse: “Através de faturas eram destinadas estas contribuições que a Telecom dava a Demarco. Isso quer dize que , haviam sido estabelecidas relações de consultoria entre a empresa e Demarco?
Ghioni — Sobre isto não tenho certeza, porém os contatos inicialmente eram mantidas por Marco Bonera – portanto, era ele o ponto de referência econômico, em relação a Dantas e sucessivamente…
PM — De Daniel Dantas?
Ghioni — Desculpe, de Demarco… e, depois disso, quando Marco Bonera foi substituído por Angelo Jannone.
PM — Por que o senhor disse, em 26 de fevereiro: “Inicialmente, Jannone ordenou a tarefa de fazer uma invasão informática no computador de Demarco… Agora lhe pergunto diretamente isto: houve uma tentativa de invasão justamente contra Luis Demarco?
Ghioni — Contra Luis Demarco, sim, sim, porém, quer dizer… não efetuada por mim no entanto.
PM — Solicitada a Bernardini por quem?
Ghioni — Por Angelo Jannone… Naquela época – vou sempre pela memória – aquilo que se necessitava na Angra Partners, era justamente poder verificar as trocas de informações que existiam entre algumas pessoas da Angra Partners, que faziam parte do conselho de administração, e o exterior, para verificar justamente se não havia algumas comunicações com personagens que eram hostis à Telecom Italia, e, me parece, também com Demarco não? – se Demarco estava em comunicação com eles.
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Luiz Francisco usou arquivo de empresa para gerar denúncia
O segredo de um bom procurador da República está em suas fontes e na rapidez com que produz suas denúncias. O procurador Luiz Francisco de Souza reúne essas qualidades.
Mas na última quinta-feira (2/9), surgiu uma dúvida a respeito da alta produtividade do mais famoso integrante do Ministério Público no país. Uma Ação de Improbidade Administrativa combinada com Ação Civil Pública apresentada por ele um dia antes, apresentou uma esquisitice.
O arquivo em que foi digitada a ação não tem origem na Procuradoria, onde Luiz Francisco trabalha, mas no computador de um empresário que é parte interessada na causa em questão. O autor do arquivo seria o advogado do empresário, Marcelo Ellias.
O procurador rechaça com veemência que tenha apresentado uma ação que não seja de sua autoria. Mas não explicou porque ao se checar a origem do arquivo, verificando suas propriedades, o computador registrado é da Nexxy Capital Ltda., empresa de propriedade de Luiz Roberto Demarco.
A ação é contra 18 pessoas e empresas, mas o alvo principal é o administrador de fundos de investimentos Daniel Dantas. Demarco é seu desafeto, adversário e inimigo.
“Eu e só eu sou o autor intelectual desta ação em que trabalho há mais de três anos”, garante Luiz Francisco. “Tenho aqui todos os documentos, todas as minutas que comprovam que o autor da representação sou eu”.
O arquivo da petição foi enviado pela secretária do procurador ao site Consultor Jurídico. O nome do arquivo chamou a atenção por conter a expressão “Ufa Ufa Ufa”. O inusitado provocou a curiosidade. Todo arquivo do editor de textos Word contém os dados básicos de sua criação, como a empresa em que está registrado o computador, o usuário da máquina, a data de criação do arquivo e até mesmo quando se deu a última impressão do arquivo. Uma rápida checagem mostrou que a data de criação do arquivo ou o dia em que fora gravado no computador da Procuradoria foi a última terça-feira (31/8). A petição tem data de 1º de setembro.
A primeira hipótese apresentada pelo site a Luiz Francisco foi a de que ele poderia ter recebido um arquivo da Nexxy, apagado o conteúdo anterior e redigido nela sua petição. O procurador repeliu a possibilidade. Mais adiante, suscitou o fato de os computadores da Procuradoria serem máquinas apreendidas pela Receita, como a sugerir que o equipamento de seu uso pudesse ter sido antes da empresa. Luiz Francisco fez outras considerações. “Parte de meu trabalho é digitada no computador de minha secretaria e costumo usar o computador de minha casa também”. Mas ele mesmo descartou a hipótese de um desses computadores pertencer ou ter pertencido a outrem.
Em outros telefonemas feitos para a redação da Consultor Jurídico, o procurador cogitaria de outras possibilidades, como a de ter usado um disquete que lhe foi emprestado há tempos por Marcelo Ellias, quando este advogava para a Caixa de Previdência do Banco do Brasil (Previ). Essa possibilidade, contudo, não parece combinar com a data de criação do arquivo, 31 de agosto último.
Em pelo menos três vezes, Luiz Francisco invocou como prova da sua absoluta correção, o fato de ser socialista e de ser sua tarefa “destruir o capital, como escrevi em meu livro”. O Opportunity seria a incorporação do que há de mais nocivo na humanidade. E revelou que para livrar o país desse problema tem lançado mão de todos os recursos. “Já fui à CVM, à CPI do Banestado, à Advocacia-Geral da União, ao Senado, à Controladoria-Geral da União e vou onde puder ir para cumprir a minha missão”.
Depois de mandar a ação, Luiz Francisco afirmou que a publicação da mesma não estava autorizada e que o envio serviu apenas para que se produzisse uma notícia a respeito. “Vou tirar até o último tostão de vocês se o site publicar essa história”, avisou ele. “Não pra mim, que não quero dinheiro, mas para um asilo de cegos”, acrescentou, completando que a “a partir de agora as portas do Ministério Público estarão fechadas para vocês”.
A reportagem procurou o empresário Luiz Roberto Demarco e seu advogado, Marcelo Ellias, mas nenhum dos dois respondeu aos pedidos e recados deixados pela revista. Ao primeiro por meio de sua secretária, Magna. Ao segundo, pelo celular.
Cenas insólitas
Em um primeiro momento, Luiz Francisco convidou a reportagem para verificar se, em seu computador, haveria algum vestígio de arquivo produzido fora da Procuradoria.
Ao ser procurado, em Brasília, pelo correspondente da revista Consultor Jurídico, Vicente Dianezi, o procurador adotou uma atitude incomum e inédita em sua história. Não permitiu a entrada em sua sala.
Pela primeira vez, recusou-se a receber um jornalista em seu gabinete. Afinal, os anais da imprensa registram atos do procurador como o de ter pegado emprestado o gravador do jornalista Andrei Meirelles para gravar, através da divisória do gabinete contíguo sua rumorosa conversa com o senador Antonio Carlos Magalhães, quatro anos atrás.
“Só converso com jornalistas investigativos e não sei quem são vocês”, disse pelo telefone ao ramal da portaria. Acrescentou que poderia nos receber na quarta-feira, dia 8, quando apresentaria toda a documentação de três anos para cá do caso Previ/Opportunitty. Foi-lhe solicitado então que apenas enviasse para o saguão a cópia de qualquer outra petição gravada na fonte estrangelo edessa, a mesma da ação civil. Essa fonte, pouco usada, costuma ser encontrada em empresas de informática, como a Nexxy.
Como não tinha a fonte em seu computador, mandou por intermédio de sua assistente, a cópia de um ofício, datado de 1999, mas a fonte era arial. Dirigiu-se então ao saguão. Recusou-se a estender a mão ao jornalista. Muito alterado, foi dizendo que sua luta era pelos direitos humanos, pelos pobres e contra o capital. O procurador falava alto, borrifava saliva e envolvendo toda essa emoção cuspiu a obturação que passou procurar no chão, do alto de seus cerca de 1m80 de altura.
“Ninguém vai macular a minha imagem. Se tentarem isso, vou à Justiça buscar tostão por tostão e darei para o hospital da hanseníase”. De pouco adiantou explicar que a única intenção era a de encontrar uma explicação para aquela fonte de texto incomum nas petições oficiais. “Talvez seja coisa do Marcelo Ellias que sempre vem aqui. Ele pode ter trazido um disquete”. Indagado sobre a frequência com que se avista com Marcelo Ellias, recusou-se a responder. Ele esteve aqui este ano? “Sim, esteve”. Quando foi a última vez? Nada respondeu. Disse apenas que Ellias era advogado da Previ.
Mais raivoso ainda disse que recebeu a informação “na semana passada” de que o Consultor Jurídico era “patrocinado pelo Grupo Opportunity”. “Estou investigando”, acrescentou. “Não são vocês que vão macular a minha imagem… Eu vivo do minguado salário que recebo aqui…”. E dirigiu-se ao elevador, retirando-se, falando alto: “Não tenho nada com a Nexxy Capital. Eu sou contra o capital”.
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