Prezados,
Transcrevo abaixo post copiado do blog do Prof. Marcos Bagno, da Universidade de Brasília. No final, há um comentário meu, que ainda aguardava moderação no momento em que copiei a página.
Esclareço que não possuo formação acadêmica em linguística, porém possuo conhecimento e formação suficiente para compreender totalmente o exposto pelo Prof. Bagno, cuja corrente de pensamento e trabalho conheço há tempos. Isto posto, cumpre notar que NÃO concordo com suas opiniões e com sua linha de trabalho. Apesar de compreender as diferenças entre linguística e gramática, creio que o trabalho em questão, de Heloísa Ramos – “Por uma Vida Melhor”, não ajudará os que a receberam a compreender realmente esta diferença, abrindo caminho para que assumam o “inapropriado” como sendo “aceitável”, o que pode levá-los a não progredir em seu crescimento educacional pessoal. Nisto consiste meu “óbice” a esta obra e à forma como o MEC trata o assunto.
Mas leiam a trascrição do Prof. Bagno, e se for preciso, conheçam o seu trabalho em seu blog.
Em seguida, postarei uma opinião sobre o assunto publicada na Folha de São Paulo, com alguns comentários, para dar sustentação à nossa discussão.
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POLÊMICA OU IGNORÂNCIA?
DISCUSSÃO SOBRE LIVRO DIDÁTICO SÓ REVELA IGNORÂNCIA DA GRANDE IMPRENSA
Marcos Bagno
Universidade de Brasília
Para surpresa de ninguém, a coisa se repetiu. A grande imprensa brasileira mais uma vez exibiu sua ampla e larga ignorância a respeito do que se faz hoje no mundo acadêmico e no universo da educação no campo do ensino de língua.
Jornalistas desinformados abrem um livro didático, leem metade de meia páginae saem falando coisas que depõem sempre muito mais contra eles mesmos doque eles mesmos pensam (se é que pensam nisso, prepotentementeconvencidos que são, quase todos, de que detêm o absoluto poder da informação).
Polêmica? Por que polêmica, meus senhores e minhas senhoras? Já faz mais de quinze anos que os livros didáticos de língua portuguesa disponíveis no mercado e avaliados e aprovados pelo Ministério da Educação abordam o tema da variação linguística e do seu tratamento em sala de aula. Não é coisa de petista, fiquem tranquilas senhoras comentaristas políticas da televisão brasileira e seus colegas explanadores do óbvio.
Já no governo FHC, sob a gestão do ministro Paulo Renato, os livros didáticos de português avaliados pelo MEC começavam a abordar os fenômenos da variação linguística, o caráter inevitavelmente heterogêneo de qualquer língua viva falada no mundo, a mudança irreprimível que transformou, tem transformado, transforma e transformará qualquer idioma usado por uma comunidade humana. Somente com uma abordagem assim as alunas e os alunos provenientes das chamadas “classes populares” poderão se reconhecer no material didático e não se sentir alvo de zombaria e preconceito. E, é claro, com a chegada ao magistério de docentes provenientes cada vez mais dessas mesmas “classes populares”, esses mesmos profissionais entenderão que seu modo de falar, e o de seus aprendizes, não é feio, nem errado, nem tosco, é apenas uma língua diferente daquela – devidamente fossilizada e conservada em formol – que a tradição normativa tenta preservar a ferro e fogo, principalmente nos últimos tempos, com a chegada aos novos meios de comunicação de pseudoespecialistas que, amparados em tecnologias inovadoras, tentam vender um peixe gramatiqueiro para lá de podre.
Enquanto não se reconhecer a especificidade do português brasileiro dentro doconjunto de línguas derivadas do português quinhentista transplantados para as colônias, enquanto não se reconhecer que o português brasileiro é uma língua em si, com gramática própria, diferente da do português europeu, teremos de conviver com essas situações no mínimo patéticas.
A principal característica dos discursos marcadamente ideologizados (sejam eles da direita ou da esquerda) é a impossibilidade de ver as coisas em perspectiva contínua, em redes complexas de elementos que se cruzam e entrecruzam, em ciclos constantes. Nesses discursos só existe o preto e o branco, o masculino e o feminino, o mocinho e o bandido, o certo e o errado e por aí vai.
Darwin nunca disse em nenhum lugar de seus escritos que “o homem vem do macaco”. Ele disse, sim, que humanos e demais primatas deviam ter se originado de um ancestral comum. Mas essa visão mais sofisticada não interessava ao fundamentalismo religioso que precisava de um lema distorcido como “o homem vem do macaco” para empreender sua campanha obscurantista, que permanece em voga até hoje (inclusive no discurso da candidata azul disfarçada de verde à presidência da República no ano passado).
Da mesma forma, nenhum linguista sério, brasileiro ou estrangeiro, jamais disse ou escreveu que os estudantes usuários de variedades linguísticas mais distantes das normas urbanas de prestígio deveriam permanecer ali, fechados em sua comunidade, em sua cultura e em sua língua. O que esses profissionais vêm tentando fazer as pessoas entenderem é que defender uma coisa nãosignifica automaticamente combater a outra. Defender o respeito à variedade linguística dos estudantes não significa que não cabe à escola introduzi-los aomundo da cultura letrada e aos discursos que ela aciona. Cabe à escola ensinar aos alunos o que eles não sabem! Parece óbvio, mas é preciso repetir isso a todo momento.
Não é preciso ensinar nenhum brasileiro a dizer “isso é para mim tomar?”, porque essa regra gramatical (sim, caros leigos, é uma regra gramatical) já faz parte da língua materna de 99% dos nossos compatriotas. O que é preciso ensinar é a forma “isso é para eu tomar?”, porque ela não faz parte da gramática da maioria dos falantes de português brasileiro, mas por ainda servir de arame farpado entre os que falam “certo” e os que falam “errado”, é dever da escola apresentar essa outra regra aos alunos, de modo que eles – se julgarem pertinente, adequado e necessário – possam vir a usá-la TAMBÉM. O problema da ideologia purista é esse também. Seus defensores não conseguem admitir que tanto faz dizer assisti o filme quanto assiti ao filme, que a palavra óculos pode ser usada tanto no singular (o óculos, como dizem 101% dos brasileiros) quanto no plural (os óculos, como dizem dois ou três gatos pingados).
O mais divertido (para mim, pelo menos, talvez por um pouco de masoquismo) é ver os mesmos defensores da suposta “língua certa”, no exato momento em quea defendem, empregar regras linguísticas que a tradição normativa que eles acham que defendem rejeitaria imediatamente. Pois ontem, vendo o Jornal das Dez, da GloboNews, ouvi da boca do sr. Carlos Monforte essa deliciosa pergunta: “Como é que fica então as concordâncias?”. Ora, sr. Monforte, eu lhe devolvo a pergunta: “E as concordâncias, como é que ficam então?
Não há respostas. para “Polêmica ou ignorância?”
O seu comentário está aguardando moderação.
Compreendo que a gramática atual tenha criado novas formas de aceitar o “popular” como regra. Quando 2 ou 3 gatos pingados dizem “os óculos”, apesar de estarem de acordo com a “norma culta”, podem ser alvo de preconceito invertido, sendo chamados de “gatos pingados”, como se diminuí-los quantitativamente pudesse desmerecê-los? Não estaria o Senhor e todas estas “regras gramaticais” promovendo o desserviço de dizer às pessoas que elas não precisam de correção ou educação de qualidade, mas sim que a língua é que precisa ser corrigida para se adequar a elas? Então os mais de 80% da população brasileira que o MEC nunca alcançou agora estariam sendo alcançados, não pela educação formal, mas por um instrumento que diz que eles é que estão certos, promovendo uma “variação linguística” cujo berço é o próprio analfabetismo, responsabilidade deles, MEC? Me parece, sinceramente, que trata-se de tornar mais fácil a solução de um problema que poderia ser gigantesco: Ao invés de fornecer educação de qualidade a todos os que têm esse direito, digo aos “gatos pingados” que usufruíram deste direito, sejam quais forem as circunstâncias que os possibilitaram, que eles é que estão errados em sentirem “dores nos ouvidos” ao serem expostos à frases do tipo “isso é para mim tomar?”? Vamos então esquecer tudo o que aprendemos na escola, os gatos pingados que tiveram oportunidade de frequentar uma, e abraçar alegremente esta forma absolutamente “inculta” de se expressar, pois caso contrário, somos “preconceituosos” e “discriminadores”?
Desculpe mesmo, de coração, mas prefiro continuar minha militância de sempre, no sentido de buscar instrumentos para que todos tenham respeitados e garantidos os seus direitos, dentre eles um em especial: Educação.
Ainda acredito que fornecer educação de qualidade para a nação pode promover mudanças positivas, enquanto que “aceitar” as coisas “como estão” promove apenas a continuidade. E sinceramente, não vejo em nosso país hoje muitas razões para desejar “continuidade”.
Obrigado pela oportunidade. Certamente deve haver “inapropriações” gramaticais em minha participação, e gostaria de vê-las apontadas, para que tenha a oportunidade de torná-las mais “apropriadas”.
Interlocutor – Coisa Pública.
http://marcosbagno.com.br/site/?page_id=745&cpage=1#comment-960
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Caros leitores e colaboradores.
Cumpre notar que o Prof. Marcos Bagno não aprovou nosso comentário em seu blog.
Manteremos aqui o comentário postado, porque acreditamos que mesmo o Prof. Bagno não o tendo aprovado, no interesse do nosso blog ele permanece válido.
Registramos nosso protesto sobre o proceder do Prof. Bagno. Se ele acredita que nosso comentário não está à altura de seu blog, poderia ter aprovado o comentário, que não tem absolutamente nada de ofensivo, postando em seguida sua “tréplica”, se acreditasse cabível.
Lamentamos, porém mantemos nossa opinião e entendimento.
Interlocutor
Sou mestrando em linguística e sugiro que você leia sobre variação linguística. É nítido o seu equívoco com relação às colocações do professor Bagno. Acredito que por tal razão ele não tenha aprovado e/ou respondido o seu comentário no blog. Talvez você possa começar a compreender a sociolinguística a partir da leitura dos livros do próprio Bagno. Outros autores (as)que tratam do assunto são: Mollica, Braga, Labov, Schere e Tarallo. Espero ter ajudado. Um abraço.
Prezado Rafael Braga Nunes,
Antes de tudo, nos desculpe a demora na aprovação de seu comentário.
Porém, permita um diálogo.
Nunca foi dito aqui ou no comentário postado no blog do Prof. Bagno que fôssemos especialistas ou sequer estudantes dos fenômenos linguísticos.
Mesmo assim, uma vez que o blog do professor não traz, em nenhum local, a informação de que seria apenas dirigido a este público especificamente (linguistas e estudantes), mantemos nosso julgamento de que houve uma ausência de reciprocidade no que se refere ao respeito: Nosso comentário foi respeitoso, mantendo a crítica centrada na ausência de investimentos em educação e na aparente solução (do MEC – governo) em alegar que “tudo não passa de manifestação cultural” (o que aprendemos serem absurdos), mas mesmo assim, não merecemos o mesmo respeito de, no mínimo, aprovar o comentário e expor o fato de que há opiniões divergentes, mesmo que advindas do público que ele mesmo nomeou de “caros leigos”.
Falando por mim, em nome da equipe do blog Coisa Pública, a linguística certamente tem seu valor, e não serei eu quem irá avalia-lo. Porém, como Teólogo, estudante de Pedagogia e Acadêmico em Direito, nunca serei convencido de que “para mim fazer” ou “nóis vai” ou “vou estar enviando hoje” são “fenômenos linguísticos” sem a devida vinculação do fenômeno à sua real causa: Descaso com a educação e falta de incentivo à leitura!
Tenho certeza de que os linguistas concordam conosco que investimentos em educação e incentivo à leitura são importantíssimos e estão negligenciados pelo governo brasileiro há muito tempo.
Sinceramente, se daqui 50 ou 100 anos, estivermos falando por assobios e estalar de língua (como em filmes de ficção científica classe “B”), se for uma evolução natural de um povo culto e esclarecido, tudo bem. Mas “evolução linguística” de um povo semialfabetizado e/ou inculto… Não cabem ambos os conceitos na mesma frase…
Obrigado pela sua participação e suas dicas de leitura!
Prezado Senhor Bagno,
Depois da leitura de sua gramática pedagógica eu simplesmente fiquei com o desejo de lhe escrever para discutir alguns pontos do seu livro. Sou alemão, daqui a pouco faço 70 anos, e comecei a aprender a sua bela língua há mais ou menos 14 anos, depois de me aposentar prematuramente por razões de saúde. Fui professor de francês e inglês no ensino médio (ginásio). Aprendi português aqui na universidade de Colônia, Alemanha, com um excelente leitor brasileiro, Roberto Carvalho, originário de Belém do Pará. Rapidamente me apaixonei pela língua portuguesa e pelo Brasil em geral. Muito cedo comecei a ler os livros de Jorge Amado, minha grande paixão literária no que se refere ao Brasil. Depois li muitos livros de outros autores, li inúmeras revistas da VEJA para me familiarizar com a língua atualmente usada no Brasil. E também rapidamente me interessei pelas diferenças entre o “brasileiro” e o português europeu. Do ponto de vista “emocional” parecem mesmo duas línguas diferentes, já que todo o pano de fundo dos falantes dos dois lados do Atlántico é muito diferente, quase diametralmente oposto. Quando leio um livro no português europeu, me sinto num outro mundo. Há mais ou menos cinco anos escrevi um pequeno ensaio, provavelmente com alguns erros de avaliação, mas em geral bastante válido, espero. Botei no anexo, caso você queira lê-lo. O escrevi para a nossa pequena ronda de português, onde nos encontramos de duas em duas semanas, eu e meu amigo Klaus como “alunos” e o meu querido professor Roberto Carvalho como professor.
Meu desejo de conhecer mais exatamente as diferenças entre o português europeu e o “brasileiro” também me motivou a ler o seu livro tão detalhado sobre a gramática brasileira. Me admirei bastante com o português “rurbano” que você descreve, mais ainda com a sua avaliação de que, daqui a um futuro indeciso, este vernacular “rurbano” poderia virar a norma brasileira, pelo menos em alguns pontos. E é justamente aqui que tenho algumas dúvidas. Quanto ao pronome relativo, por exemplo, esta idéia de, a longo prazo, só ficar a partícula “que” como solução, eu acharia um empobrecimento deplorável, já que toda uma série de possibilidades de expressão se perderia. O pronome “cujo” me parece tão útil, tão prático às vezes, e sobretudo tão fácil de usar, que não vejo o por quê de seu desaparecimento. Aqui acho que um esforço educativo no sentido de fortalecer o conhecimento e uso deste pronome valeria a pena!
O que, em geral, me chama a atenção no que se refere ao estado do português do Brasil é o fato de tantos brasileiros não lerem livros ou revistas, dependendo mais ou menos unicamente da prática oral da língua ou da televisão como exemplos e “instrutores” linguísticos. Não sei se esta falta de leitura é só uma questão dos preços dos livros, já que de vez em quando leio o argumento de que as camadas financeiramente menos afortunadas gastam bastante dinheiro com CDs, DVDs e coisas parecidas (hoje em dia talvez menos, já que existe toda esta pirataria na internet). A solução do problema, a meu ver, poderia ser uma educação voltada para o gusto da leitura, o que fortaleceria a competência linguística dos brasileiros em geral.
Por outro lado me parece que, no momento, existem muitos fenômenos “paralelos” no uso e na gramática brasileira que são mais ou menos equivalentes: por que não usar os pronomes o, a, os e as ao mesmo tempo que “vejo ele”, etc.? E por que condenar construções como “Sabe-se que…” em vez de “Se sabe que…”?
Um caso onde eu tenho minhas dificuldades “emocionais” são construções do tipo “Se vende casas” em vez de “Se vendem casas”. A lógica fala a favor do singular do verbo, mas eu tenho fortemente “enraizada” a forma plural. Só uma questão de costume?
Por outro lado, fiquei “agradecido” lendo que você também não gosta da negligência das formas “contraídas” tipo num, numa, etc. Desde o começo da minha aprendizagem do português vinha me perguntando sobre o sentido de dizer “em um país” em vez de “num país”. Outro ponto que me aliviou foi a sua crítica do abuso da partícula “mesmo”. Odeio essa forma de dizer ou escrever “vi o mesmo” em vez de “vi ele” ou até “o vi” que tantos brasileiros usam. O que eu não sabia era que eles fazem isso porque querem ser mais “elegantes” quando, na verdade, é o contrário.
Um ponto geral, mas acho que você também várias vezes o ressalta no seu livro: uma língua é sempre cheia de contradições e de desenvolvimentos contraditórios. Quero dizer com isso que soluções menos “lógicas” não significam automaticamente que uma língua segue o caminho da lógica. Mas para quem é que digo isso!
Em todo caso o seu livro foi bastante útil para esclarecer um certo número de dúvidas que tinha sobre o “brasileiro”. Neste sentido, muito obrigado!
Um amigo da Europa,
Reinhard Kissler
Aqui vai o meu ensaio de alguns anos atrás sobre o “brasileiro” ou o “português europeu”:
Língua brasileira ou português do Brasil?
Queria começar o meu pequeno ensaio lembrando um húngaro bastante conhecido por especialistas brasileiros, Paulo Rónai, o qual, enquanto judeu, teve a sorte de, em 1941, fugir da Hungria para o Brasil, via Lisboa. Ele tinha começado a aprender português já no seu país de origem, com os meios – naquele tempo bastante modestos – que tinha, mas com seu grande talento de poliglota e filólogo chegou a dominar a língua até certo ponto já antes de chegar em Portugal. Por isso viajou na expectativa de se sentir à vontade nos países lusófonos. Mas qual não foi sua decepção com a língua falada nas ruas de Lisboa, da qual não entendia nada, compreendendo apenas o que lia em jornais e revistas. E qual não foi sua alegria quando chegou no Rio de Janeiro, como ele mesmo relata no seu livro Como aprendi o português: e outras aventuras: “Que alívio logo de entrada! O Brasil recebia-me com uma linguagem clara, sem mistérios… Ainda não desembarcara, e já não perdia nenhuma das palavras…O deslumbramento continuou na rua, no primeiro táxi, no hotel. O idioma que eu aprendera em Budapeste era mesmo o português!”
Como método de comparação das duas variantes do português eu decidi colocar e analisar lado a lado duas traduções de um mesmo trecho de um livro. Escolhi o famoso romance norte-americano, “The Catcher in the Rye”, um dos meus grandes favoritos de todos os tempos. Há muitos anos eu comprei uma tradução portuguesa do romance para aprender o português por meio de um texto que eu conhecia quase de cor. Agora eu tentei encontrar na Internet um trechinho desse romance na versão brasileira, e felizmente tive sucesso.
Antes de começar a análise linguística desses dois trechos, queria ressaltar dois pontos: o primeiro é que este romance, escrito em 1948, usa por cem porcento a linguagem informal do dia-a-dia dos jovens americanos da época, principalmente a dos “campi” universitários. Foi o que me confirmou uma jovem norte-americana 40 anos atrás. Por isso o livro é bastante difícil de traduzir e na minha opinião Heinrich Böll fracassou completamente na sua tentativa em alemão. Talvez seja meio impossível transmitir o sabor deste romance para qualquer língua. Prova disso é que o romance foi traduzido para o francês meio século atrás, mas, por nem de longe encontrar o tom da obra, alguém o traduziu outra vez algumas décadas depois, e com melhores resultados. Tudo isso para dizer que, mesmo no Brasil ou em Portugal, uma nova tradução seria sempre possível e com toda a certeza conteria novas diferenças de tom e atmosfera.
Agora vou entrar na própria análise dos respectivos trechos. Para o leitor saber do que estou falando, coloquei as três versões diferentes no fim do ensaio, abaixo de que eu próprio escrevi: o original inglês, e as versões portuguesa e brasileira.
Nem é preciso ser grande especialista para ver que o texto inglês, além de estar escrito numa linguagem muito coloquial e intencionalmente desleixada, contém um bom número de palavras da gíria ou do jargão dos jovens daquele tempo. A meu ver o texto brasileiro conseguiu mais ou menos conservar o sabor do original, ao contrário do texto português que está longe disso.
Quanto ao texto português, primeiro queria falar da gramática. Há alguns pontos que chamam muito a atenção de um leitor acostumado ao brasileiro, como eu, por exemplo.
O uso do mais-que-perfeito simples, por exemplo, nas linhas 1, 4 e 6: nevara e duas vezes roubara não se encontraria facilmente num texto brasileiro, a não ser num nível bastante elevado.
Uma coisa totalmente impensável no brasileiro informal seria o uso da mesóclise no condicional, o que me surpreende até na versão portuguesa. Essa forma gramatical é da maior formalidade no brasileiro e eu dificilmente imagino que, para um jovem leitor português, por exemplo, essas formas representam o tom familiar do dia-a-dia. Surge nas ll. 6, 7, 9, com uma frequência que indica que o tradutor encara essas formas como totalmente adequadas a um texto informal: dir-lhe-ia, encontrá-las-ia, olhar-me-ia.
Infinito em vez de gerúndio é outro ponto onde o brasileiro e o português diferem, pelo menos no que diz respeito à freqüência com que as duas formas são usadas. No texto português a forma se encontra nas ll. 4 (a fingir), 11 (a pensar), 12 (a fingir), 14 (a chamar), 20 (a discutir), 34 (a brincar). Isto lhe dá um tom claramente não-brasileiro.
A colocação dos pronomes átonos é outro capítulo onde as diferenças entre o brasileiro e o português são enormes. Infelizmente, por assim dizer, o texto oferece um único exemplo disso em de o esmurrar (ll.17 e 28, onde qualquer brasileiro diria “de esmurrá-lo”, a não ser que se tratasse de um nível muito universitário.)
Quanto ao uso da segunda pessoa do singular em vez da terceira, nem é preciso ressaltar os numerosos exemplos contidos no texto. O uso do você brasileiro parece quase inimaginável no português, quanto mais o uso de formas mistas com tu em combinação com a terceira pessoa etc.
E o uso regular do artigo junto com o pronome possessivo antes de um substantivo também ficaria um pouco fora de lugar num texto brasileiro, onde as duas possibilidades: artigo definido ou não, pelo menos se revezariam: ll. 15 e 19 as minhas luvas, l. 16 das tuas galochas.
E para terminar a análise gramatical eu queria citar o pela janela fora (l.27), onde se usaria pelo menos a forma “afora”, mas provavelmente a expressão ficaria simplesmente “jogar pela janela”.
Segue-se uma olhada ao vocabulário, o “normal” e o giriesco, seguida de uma tentativa de avaliar o estilo, a atmosfera criada pela linguagem usada. Começo com uma lista (meus comentários estão em itálicos):
português: brasileiro:
passeio (l.1) calçada
boné (l.2) chapéu
enregeladas (l.3) soa muito literário geladas, glaciais (?)
tipo (l.4) cara, sujeito
cobardolas (l.4) gíria portuguesa desconhecida no Brasil
restituir (l.6) fica muito formal dar de volta
mala (l.9) armário
fingir de duro (l.12) não acho que se use no Brasil, não tenho 100% certeza
chamar ladrão (l.14) chamar de ladrão
murro (l.21) muito literário soco
retrete (l.21) acho que é completamente desconhecido no Brasil b anheiro
reles (l.23) que palavra neste contexto, meu Deus mau
furioso (l.25) com raiva
garoto (l.26) menino
luta de punhos (l.31) briga de soco
magoar (l.31) que eu apanhasse
amedrontar (l.32) estilo rebuscado no Brasil fazer medo
rosto (l.33) literário demais cara
parceiro (l.33) outro cara
cobardia com piada (l.34) impensável no Brasil uma covardia meio estranha
Esta lista está ainda longe de dar uma idéia exata do sabor do texto. Tenho a impressão de que, mesmo em português, um bom tradutor poderia e deveria dar um tom muito mais giriesco à tradução. Não imagino o português tão pobre em boa gíria local, mesmo que desconhecida por brasileiros, que uma tradução mais adequada seja impossível. O fato é que, em geral, o vocabulário usado pelo tradutor português não transmite a impressão de um jovem adolescente falando de uma maneira extremamente relaxada, antes pelo contrário.
Agora vou dar uma olhado ao texto brasileiro. Quanto à gramática propriamente dita, as diferenças não parecem tão grandes, pelo menos neste trecho concreto. O tinha falado em vez de “falara” eu comentei acima.
Outro ponto de uso gramatical diferente está no condicional analítico fosse fazer (l.6), onde um português usaria a forma sintética “fizesse”. Coisa parecida vale para o uso do condicional, com formas do tipo não iria ter coragem (l.20), ia só ficar (também l.20) e ia mesmo dar (l.29), onde um português usaria “teria”, “ficaria” e “daria”.
E na formulação procuro não demonstrar (l.7) um português provavelmente sentiria a falta do pronome neutro “o”, o que daria ”procuro não demonstrá-lo”.
O armário dele (l.12) tem carater bastante informal, em um texto português isso ficaria antes “o seu armário”.
Mas a coisa mais marcante que se pode notar neste trecho é a típica mistura da segunda com a terceira pessoa do presente do singular, coisa que assim não se encontra em português: Se são tuas, pode levar (l.16), Escuta, você (l.25).
E finalmente acho que as formas abreviadas do verbo “estar” não se usam em Portugal, como esse ´tá usado duas vezes no texto brasileiro.
A diferença principal entre os dois textos consiste sobretudo no uso de inumeráveis palavras e expressões que fazem parte ou da simples linguagem coloquial do dia-a-dia ou da gíria brasileira e que, em Portugal, são ou desconhecidas ou raramente usadas. Eu poderia citar quase metade do texto, mas vou me limitar a uma pequena amostra sem me preocupar em analisar tudo isso, dizendo se é gíria ou simplesmente estilo despreocupado etc:. frio de rachar, safado, covardes pra chuchu, vigarista, na porcaria das galochas, ou coisa que o valha, Não quero mesmo essa droga pra nada, para aporrinhar o sujeito, um filho da mãe dum ladrão, na droga das tuas galochas, O negócio podia continuar, sem ter dado um sopapo, pouco ligando, minha mãe ficava danada, a gente não devia nem conversar, esse é que é o meu problema, ruim, ou coisa que o valha, um tipo gozado de covardia, eu não procuro me iludir.
Mais difícil ainda seria a tarefa de analisar o ritmo frouxo das frases e formulações, já que é também isso que dá o sabor tipicamente brasileiro. O fato é que a tradução brasileira conserva esse tom relaxado do original norte-americano, o que não se pode dizer da versão portuguesa.
Para concluir, eu diria que a versão portuguesa pode ser lido e entendido por um brasileiro, embora sem esse grande prazer proporcionado pelo estilo e o vocabulário tipicamente brasileiros. E vice versa: um português não entenderá toda a gíria brasileira no seu significado exato, mas pode ler e entender a versão brasileira sem grandes problemas. Se gostará desse estilo, contudo, depende dele.
Será que se pode falar de duas línguas diferentes? Estritamente falando não, mas as diferenças são enormes. E tudo depende de como se define o que é uma língua. Há pouco tempo eu li um livro acerca das línguas do mundo inteiro cujo autor, um grande especialista na matéria, disse que no fundo não existe nenhuma definição concludente entre língua e dialeto.
Provavelmente existem muitos argumentos para não falar em duas línguas separadas, brasileiro e português. Com certeza há considerações ideológicas ou políticas a favor de uma língua portuguesa comum dos dois lados do Oceano Atlántico. Como esta problemática se desenvolverá num futuro próximo ou distante, ninguém sabe. Com os meios de comunicação modernos há boas chances de as variantes não se perderem de vista. Por outro lado existe todo esse pano de fundo de duas culturas, duas histórias, duas ambientes extremamente diferentes, distanciadas, o que facilitaria uma diferenciação cada vez maior no decorrer das décadas ou séculos.
P.S. Admiro-me, aliás, pelo texto português estar mais curto do que o original e a versão brasileira. Tenho a impressão de que o tradutor português omitiu certas frases ou formulações por causa de considerações que eu não compreendo direito. Não me pus ao trabalho de investigar isso de mais perto.
Seguem as três versões de que falei acima:
Original inglês:
You wouldn’t even have known it had snowed at all. There was hardly any snow on the sidewalks. But it was freezing cold, and I took my red hunting hat out of my pocket and put it on – I didn’t give a damn how I looked. I even put the earlaps down. I wished I knew who’d swiped (roubar) my gloves at Pencey, because my hands were freezing. Not that I’d have done much about it even if I had known. I’m one of these very yellow (covarde) guys. I try not to show it, but I am. For instance, if I’d found out at Pencey who’d stolen my gloves, I probably would’ve gone down to the crook’s (ladrão) room and said, “Okay. How ‘bout handing over those gloves?” Then the crook that had stolen them probably would’ve said, his voice very innocent and all, “What gloves?” Then what I probably would’ve done, I’d gone in his closet and found the gloves somewhere. Hidden in his goddam galoshes or something, for instance. I’d have taken them out and showed them to the guy and said, “I suppose these are your goddam gloves?” Then the crook probably would’ve given me this very phony, innocent look, and said, “I never saw those gloves before in my life. If they’re yours, take ‘em. I don’t want the goddam things.” Then I probably would’ve just stood there for about five minutes. I’d have the damn gloves right in my hand and all, but I’d feel I ought to sock the guy in the jaw or something – break his goddam jaw. Only, I wouldn’t have the guts (coragem) to do it. I’d just stand there, trying to look tough. What I might do, I might say something very cutting and snotty, to rile him up (enraivecer) – instead of socking him in the jaw. Anyway, if I did say something very cutting and snotty, he’d probably get up and come over to me and say, “Listen, Caulfield. Are you calling me a crook?” Then instead of saying, “You’re goddam right I am, you dirty crooked bastard!” all I probably would’ve said would be, “All I know is my goddam gloves were in your goddam galoshes.” Right away then, the guy would know for sure that I wasn’t going to take a sock at him, and he probably would’ve said, “Listen. Let’s get this straight. Are you calling me a thief?” Then I probably would’ve said, “Nobody’s calling anybody a thief. All I know is my gloves were in your goddam galoshes.” It could go on like that for hours. Finally, though, I’d leave his room without even taking a sock at him. I’d probably go down to the can (banheiro) and sneak (fumar) a cigarette and watch myself getting tough in the mirror. Anyway, that’s what I thought about the whole way back to the hotel. It’s no fun to be yellow. Maybe I’m not all yellow. I don’t know. I think maybe I’m just partly yellow and partly the type that doesn’t give much of a damn if they lose their gloves. One of my troubles is, I never care too much when I lose something – it used to drive my mother crazy when I was a kid. Some guys spend days looking for something they lost. I never seem to have anything that if I lost it I’d care too much. Maybe that’s why I’m partly yellow. It’s no excuse, though. It really isn’t. What you should be is not yellow at all. If you’re suppose to sock somebody in the jaw, and you sort of feel like doing it, you should do it. I’m just no good at it, though. I’d rather push a guy out the window or chop his head of with an ax than sock him in the jaw. I hate fist fights. I don’t mind getting hit so much – although I’m not crazy about it, naturally – but what scares me most in a fist fight is the guy’s face. I can’t stand looking at the other guy’s face, is my trouble. It wouldn’t be so bad if you could both be blindfolded or something. It’s a funny kind of yellowness, when you come to think of it, but it’s yellowness, all right. I’m not kidding (enrolar) myself.
Versão portuguesa:
Parecia que não nevara. Já não havia neve nas ruas nem nos passeios. Mas estava um frio de morte, e eu enfiei o boné na cabeça. Quem me dera ter descoberto o ladrão das luvas, lá em Pencey, pois tinha as mãos enregeladas. É claro que nada conseguiria, mesmo que o tivesse des¬coberto. Sou um tipo cobardolas. Ando sempre a fingir, mas, no fim de contas, sou um cobardolas. Se eu tivesse descoberto quem me roubara as luvas, teria ido ao quarto do ladrão e dir-lhe-ia: «Bom. E se restituísses as luvas?» O tipo que as roubara diria, muito inocentemente: «Que luvas?» Eu começaria a procurá-las e encontrá-las-ia na mala do tipo, escondidas dentro das galochas, por exemplo. «Tenho de supor que estas luvas são tuas?» O tipo olhar-me-ia com espanto e inocência e exclamava: «Nunca vi essas luvas. Se são tuas, podes levá-las.» Eu ficaria ali um minuto ou dois, com as luvas bem apertadas na mão, a pensar que devia quebrar-lhe os queixos. Mas não teria coragem. Ficaria ali a fingir de duro. Dir-lhe-ia qualquer coisa desagradável em vez de lhe quebrar os queixos. Mas, se lhe dissesse coisas desagradáveis, o tipo viria direito a mim e diria: «Ouve, Caulfield! Estás a chamar-me ladrão ?» Então, em vez de dizer: «É verdade, és um ladrão», diria provavelmente: «Tudo o que sei é que as minhas luvas estavam escondidas dentro das tuas galochas.» O tipo ficava logo a ver que eu era incapaz de o esmurrar e acres¬centaria: «Ouve. Vamos tirar isto a limpo. Estás a cha¬mar-me ladrão ?» E eu seria obrigado a afirmar: «Ninguém te chamou ladrão. Tudo o que sei é que as minhas luvas estavam escondidas nas tuas galochas.» E assim estaríamos a discutir durante horas e horas. Finalmente sairia do quarto sem lhe ter dado um único murro. Provavelmente iria para a retrete fumar um cigarro e fazer cara de mau ao espelho. Era nisso que eu pensava enquanto me dirigia para o hotel. Ser cobarde é uma coisa reles. Talvez eu não seja muito cobarde. Não sei. Talvez eu em parte seja cobarde e em parte não dê grande importância a um par de luvas. Nunca me preocupo quando perco qualquer coisa. A minha mãe ficava furiosa quando eu era garoto. Há tipos que passam dias inteiros em busca de qualquer coisa. Mas eu nunca me importei com as coisas que perdi. Talvez por isso eu seja meio cobarde. É uma coisa sem perdão. Não podemos ser cobardes. Se pretendemos esmurrar alguém, temos de o esmurrar. Mas eu também não tenho jeito para isso. Seria mais capaz de atirar um tipo pela janela fora ou de decepar-lhe a cabeça com um machado do que esmurrar-lhe os queixos. Odeio lutas de punhos. Não me importo que me magoem – embora não goste, é claro -, mas o que mais me amedronta num combate de punhos é o rosto do parceiro. Não posso olhar para o rosto do par¬ceiro. Já não seria mau se ficássemos meio cegos. É uma cobardia com piada, mas não deixa de ser cobardia. Não estou a brincar, garanto-lhes.
Versão brasileira:
“Nem parecia que tinha nevado, as calçadas já estavam quase limpas. Mas fazia um frio de rachar e tratei de tirar do bolso meu chapéu vermelho e botei na cabeça – estava pouco ligando para minha aparência. Cheguei até a baixar os protetores de orelha. Bem que gostaria de saber qual o safado que tinha roubado minhas luvas no Pencey, porque minhas mãos estavam geladas. Não que eu fosse fazer muita coisa se soubesse. Sou um desses sujeitos covardes pra chuchu. Procuro não demonstrar, mas sou. Por exemplo, se tivesse descoberto quem roubou minhas luvas no Pencey, provavelmente teria ido até o quarto do vigarista e diria: “Muito bem. Que tal ir me passando as luvas?”. Aí, o vigarista que as tinha roubado provavelmente responderia, com a voz mais inocente do mundo: “Que luvas?”. Aí eu provavelmente ia até o armário dele e encontrava as luvas num canto qualquer, escondida na porcaria das galochas ou coisa que o valha. Apanhava as luvas, mostrava a ele e perguntava: “Quer dizer que essas luvas são tuas, não é?”. Aí o filho da mãe provavelmente olharia para mim, com a maior cara de anjinho, e diria: “Nunca vi essas luvas em toda a minha vida. Se são tuas, pode levar. Não quero mesmo essa droga pra nada”. Aí eu provavelmente teria ficado uns cinco minutos de pé, no mesmo lugar, com as luvas na mão e tudo. Ia me sentir na obrigação de dar um soco no queixo do sujeito, quebrar a cara dele. Só que não iria ter coragem de fazer nada. Ia só ficar ali, de pé, tentando fazer cara de mau. Talvez dissesse alguma coisa bem cortante e sarcástica, para aporrinhar o sujeito – em vez de lhe dar um soco no queixo. Seja lá como for, se eu dissesse alguma coisa bem cortante e sarcástica, ele provavelmente se levantaria, chegaria mais perto de mim e perguntaria: “Escuta, Caulfield. Você tá me chamando de ladrão?”. Aí, em vez de dizer que era isso mesmo, que ele era um filho da mãe dum ladrão, eu provavelmente só teria dito: “Só sei que a droga das minhas luvas estavam na droga das tuas galochas”. A essa altura o sujeito já saberia com certeza que eu não ia mesmo dar um soco nele e diria: “Olha, vamos deixar esse negócio bem claro. Você tá me chamando de ladrão?”. Eu então provavelmente responderia: “Ninguém está chamando ninguém de ladrão. Só sei que as minhas luvas estavam na porcaria das tuas galochas”. O negócio podia continuar assim durante horas. Finalmente eu iria embora sem ter dado um sopapo nele. Provavelmente ia para o banheiro, acendia um cigarro e ficava me olhando no espelho, fazendo cara de valente. De qualquer maneira, era nisso que eu estava pensando enquanto voltava para o hotel. Não é nada engraçado ser covarde. Talvez eu não seja totalmente covarde. Sei lá. Acho que talvez eu seja apenas em parte covarde, e em parte o tipo de sujeito que está pouco ligando se perder as luvas. Um de meus problemas é que nunca me importo muito quando perco alguma coisa – quando eu era pequeno minha mãe ficava danada comigo por causa disso. Tem gente que passa dias procurando alguma coisa que perdeu. Eu acho que nunca tive nada que me importaria muito de perder. Talvez por isso eu seja em parte covarde. Mas isso não é desculpa. Sei que não é. O negócio é não ser nem um pouquinho covarde. Se é hora de dar um soco na cara de alguém, e dá vontade mesmo de fazer isso, a gente não devia nem conversar. Mas não consigo ser assim. Eu preferia empurrar um sujeito pela janela, ou cortar a cabeça dele com um machado, do que dar um soco no queixo dele. Odeio briga de soco. Não que me importe muito de apanhar – embora, naturalmente, não seja fanático por pancada – mas o que me apavora mais na briga é a cara do outro sujeito. Não consigo ficar olhando a cara do outro sujeito, esse é que é o meu problema. Não seria tão ruim se a gente estivesse com os olhos vendados, ou coisa que o valha. Pensando bem, é um tipo gozado de covardia, mas não deixa de ser covardia. E eu não procuro me iludir (…)”.
Muitíssimo obrigado pelas palavras, Sr. Reinhard Kissler!
Espero que sirvam de inspiração a muitos, como certamente inspiraram nossa equipe!
Ao visitar o Brasil, não deixe de fazer contato!
Abraço!
Amigos, acima temos dois comentários postados por um estudante da língua portuguesa. Trata-se de um leitor alemão, como podem conferir, que apaixonou-se pela nossa língua e nosso país.
Cumpre esclarecer que após ler este tópico, nosso amigo escreveu sua participação acreditando estar diante de uma postagem do próprio professor Marcos Bagno.
Entramos em contato com o Sr. Reinhard e esclarecemos que nosso blog apenas citou o Prof. Bagno, cujo pensamento conhecemos através de comentários em nossa página do Youtube, mas não temos nenhuma relação com o Prof. Bagno ou com o seu blog.
Porém, como consideramos a participação do Sr. Reinhard muito pertinente, solicitamos (e obtivemos) permissão para postar seus comentários.
Ficamos gratamente satisfeitos e inspirados com as colocações do Sr. Reinhard. Quiçá inspirem outros leitores…